Uma tradutora no teatro: Hairspray

sexta-feira, outubro 21st, 2016

A partir do momento em que decidi que seria tradutora, parece que eu recebi um atestado me proibindo de curtir meu tempo livre sem pensar no meu trabalho. Não que isso seja uma coisa ruim, mas sempre me pego pensando nas melhores opções para traduzir esta ou aquela frase do seriado, ou esta ou aquela música de um musical. Este fim de semana, quando fui assistir uma versão de Hairspray na minha cidade, não foi diferente. Como toda fã de musical, não perco uma oportunidade: já assisti esse musical em específico em inglês, espanhol e português. Por isso, selecionei três músicas para analisar, no sentido tradutório. As músicas mencionadas foram escritas e adaptadas por Scott Wittman e Marc Shaiman (na versão original, em inglês), Miguel Falabella (versão brasileira) e Henrique Pinti (versão argentina).

“I can hear the bells” na sua versão original, é a música que Tracy, a protagonista, canta ao dar de cara com Link, o galã gatinho que todas desejam. Em seus outros idiomas “Eu escuto sinos” e “Oigo el repicar”, a simbologia dos sinos permanece mas não se sabe bem o motivo. A tradição de tocar sinos de casamento para desejar felicidade ao novo casal é algo presente na cultura inglesa e americana, mas não na argentina ou brasileira. Um ponto positivo da versão argentina é que logo no início da música são mencionadas simbologias do casamento, como o vestido branco. Já na versão brasileira, só descobrimos que Tracy acha que vai se casar com o broto mais bonito da cidade no meio da musica … antes disso, ficamos todos perdidos mesmo. Que sino é esse, menina?

Depois, quando Tracy alcança o sucesso na TV, temos uma das músicas mais animadas e marcantes, que é “Welcome to the sixties” ou “Bem vinda aos anos 60” em português e “Bienvenida a los 60” em espanhol. Eu não sou muito fã da versão em inglês, acho a frase que ilustra a música pouco sonora. As adaptações fizeram justiça nesse quesito. A versão argentina e brasileiras são bem mais sonoras e gostosas de ouvir. Foi possível adaptá-las lindamente e apesar da discrepância entre os anos 60 latinos e estadunidenses, a imagem dessa época que temos na nossa cabeça é exatamente a versão de lá dos fatos. A única parte ruim da versão brasileira é que ela alterna entre “Bem vinda aos anos 60”, “Vem chegaram os anos 60” e “Dê boas-vindas aos anos 60” enquanto em espanhol só fica nos “Bienvenida a los 60” que facilita muito aos fãs para cantar junto.

Por último temos a música icônica de Hairspray: “You can’t stop the beat” que ficou como “Não vamos parar” e “No puedo parar”. A versão brasileira é mais fiel à original, com letra bem semelhante, até na parte que menciona a relação entre o homem e a mulher, que gosta de dançar. Todas as versões são deliciosas de ouvir e dão vontade de sair dançando pelo teatro – só não fiz isso porque estava acompanhada da minha amiga e a mãe dela -. A única coisa que posso acrescentar a respeito é que a versão argentina faz uma míni linha do tempo mencionando o éden, o rock e o twist, coisa que eu particularmente acho mais relacionada ao tema da peça do que a relação entre o homem e a mulher (afinal, o Link lindão não acrescenta muito à jornada de Tracy contra o preconceito). Mas isso é apenas preferência pessoal.

Só lembrando, estas são apenas as ocorrências de uma tradutora observadora. Todas as versões são pura alegria e diversão, e realmente as versões das músicas em inglês não impactaram na qualidade da obra (não posso dizer o mesmo de Chicago, mas essa fica para outra ocasião). Não se sinta assustado pelo teatro de musicais e por esse fantasma das músicas traduzidas que no assola. Hairspray pelo menos, vale cada segundo de espetáculo!

 

 


Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Vernaculum - Todos Direitos Reservados 2019